A Paraíba comemora nesta segunda-feira (26) exatos 80 anos da morte do presidente João Pessoa, cujo assassinato foi o ponto culminante para a Revolução de 1930. O tempo ainda não apagou a divisão politica da Paraíba. Mantém-se a tradição de duas correntes políticas comandarem os destinos administrativos do Estado.
Estamos no ano de 1930. É uma sexta-feira, 25 de julho. Precisamente às 18 horas. Com o Palácio em reforma, os despachos do governador, à época denominado presidente, eram feitos na diretoria do jornal A União cujo prédio se situava onde hoje funciona a Assembleia Legislativa. Chefe do Executivo paraibano, João Pessoa era conhecido pelo seu temperamento franco, direto. Enquanto assinava o documento que lavraria o ato de transmissão de cargo ao seu vice, Álvaro de Carvalho, permitiu-se a um gracejo com os funcionários:“Vejo que os senhores ficam sempre muito alegres toda vez que me ausento da Paraíba”
Quem não achou nada engraçado foi o secretário de Segurança, Ademar Vidal: “Então, o presidente vai ao Recife? Acho uma temeridade...”. Como bem observou o seu amigo e auxiliar próximo, o escritor José Américo de Almeida, João Pessoa “era todo direto e sem nenhuma sutileza”. Ao ouvir a ponderação do seu secretário sobre a viagem que faria sem o acompanhamento de qualquer segurança: “Os senhores são muito sentimentais. Vamos deixar de tolice...”.
Como os fatos vieram a comprovar, não se tratava de tolice nenhuma. No dia seguinte, sábado, João Pessoa seria assassinado a tiros na capital pernambucana. O crime completará 80 anos amanhã. A morte do presidente paraibano impulsou os revolucionários, que já arquitetavam a tomada de poder. Eles depuseram Washington Luiz, dando posse a Getúlio Vargas, candidato derrotado nas eleições presidenciais daquele ano.
A reportagem do JORNAL DA PARAÍBA entrevistou dois estudiosos no assunto, os historiadores José Octávio de Arruda Melo e Wellington Aguiar, ambos autores de obras que versam sobre o tema da Revolução de 1930. Além de serem consultados títulos, publicações e obras, apresentamos a repercussão do assassinato no exterior, reproduzindo o que o jornal The New York Times, dos Estados Unidos, noticiou no dia seguinte à morte de João Pessoa.
Trata-se, sem dúvidas, de um período histórico riquíssimo cujos desdobramentos ainda mantêm ligação direta não só com os principais fatos políticos que dali ocorreram, circunscritos a um passado remoto. Muitos atores da cena política atual da Paraíba têm ligação direta com o teatro de 1930. Mais do que isso: ainda hoje há pontos desta história que não são pacíficos e os dois lados ainda terçam armas – não disputando poder político; migraram a luta para uma trilheira intelectual, levando o embate à arena da história.
Desde que assumira o governo, João Pessoa já entrara em rota de colisão com os chefes políticos, ligados à oligarquia paraibana. Em 1929, o governo do presidente Washington Luiz teve o apoio à chapa situacionista de sucessão presidencial, encabeçada pelo paulista Júlio Prestes, negado por parte de João Pessoa - era o famoso dia do “Nego”.
Desde então, as relações entre os governos federal e estadual azedaram. Para complicar, João Pessoa aceitou a indicação para ser vice na chapa oposicionista, encabeçada por Getúlio Vargas. “Tentou-se fazer uma frente única aqui na Paraíba, como aconteceu no Rio Grande do Sul”, explica José Octávio. “A oposição aqui era muito pequena, mas não aceitou. Eles viram no apoio federal, a situação, a possibilidade de ter um fôlego”, conta.
Desde 24 de fevereiro de 1930 que o governo de João Pessoa via-se às voltas com uma guerra civil. A cidade de Princesa declara-se “Território Independente” e não mais se submetia aos comandos da chefia do Executivo estadual.
VIAGEM AO RECIFE
O objetivo principal da ida de João Pessoa ao Recife era visitar velho amigo, o juiz federal Francisco Tavares da Cunha Melo, que estava enfermo e internado no Hospital Centenário, no bairro de Boa Vista, no Recife. Mais do que uma visita de solidariedade, havia um interesse específico do presidente. João Pessoa estava prestes a receber um carregamento de armas que viria ao porto do Recife em poucos dias. Certamente as autoridades federais iriam apreender a carga.
O navio Muniz Freire, da Marinha, percorria o litoral com o objetivo de impedir a chegada de armas e munição à Paraíba. Com vistas a driblar a fiscalização federal, o material bélico vinha por meio de contrabando em latas de conservas. Às vésperas da viagem que faria ao Recife, a última que fizera em vida, a questão que inquietava João Pessoa era a seguinte: seria possível liberar o carregamento ao se requerer um interdito? João Pessoa acreditava que sim, era possível sustar a apreensão com este recurso judicial. Queria, porém, ouvir do amigo juiz uma opinião sobre o caso. Havia, ainda, a necessidade de comprar novos clichês no Jornal da Manhã, situado na capital pernambucana, para a edição comemorativa ao aniversário de um ano do “Nego”.
JOÃO DANTAS
Olinda, três horas da tarde, 26 de julho de 1930. O advogado João Dantas saíra da casa do cunhado Augusto Caldas e tomara um bonde com destino à capital pernambucana. Iria até o Jornal do Commercio. Seu objetivo era responder à série de cartas suas que o jornal A União vinha publicando. Casualmente, João Dantas senta-se ao lado de um conterrâneo que está lendo o jornal estatal da Paraíba. Ao ver a manchete em tipos em caixa alta “REVELANDO A ALMA TORTUOSA DOS CONSPIRADORES CONTRA A ORDEM E A DIGNIDADE DE NOSSA TERRA”, João Dantas sentiu o sangue ferver. À medida em que seguia com os olhos na leitura, mais impropérios lhe eram dirigidos: “... o arquivo de cartas e telegramas desse tarado era um verdadeiro manancial de monstruosidades...”. Mais adiante: “Nos documentos da edição de ontem ficou demonstrada a irresistível tendência dos Dantas para o alheio”.
João Dantas, com os olhos marejados de ódio, ainda teve tempo de ler a notinha: “Com destino ao Recife, viaja hoje o sr. presidente João Pessoa, que na vizinha metrópole do sul vai visitar o seu amigo particular dr. Cunha Melo, juiz federal de Pernambuco e que se acha convalescente após a intervenção cirúrgica a que se submetera. A demora do chefe do governo será muito curta”.
João Dantas considerou a atitudade de João Pessoa um ultraje - ir impunemente ao Recife, desafiar-lhe a coragem. Voltou à casa do cunhado, pegou o seu colt 22 e de lá partiria com uma missão: lavar a honra ofendida. Esta versão, todavia, não é um ponto pacífico. “Essa história de bonde, de jornal, nada disso existiu. Foi criada para descartar a culpabilidade de Moreira Caldas”, opina Wellington Aguiar. “Eu não acho correta a versão do bonde – ele ter descido e retornado à casa do cunhado? Não, não; João Dantas andava armado”, comenta José Octávio de Arruda Melo. Uma outra versão dá conta de que Augusto Caldas, cunhado de João Dantas, teria visto João Pessoa e ligara para casa com o fim de avisar ao advogado.
Fonte: Jornal da Paraíba
Estamos no ano de 1930. É uma sexta-feira, 25 de julho. Precisamente às 18 horas. Com o Palácio em reforma, os despachos do governador, à época denominado presidente, eram feitos na diretoria do jornal A União cujo prédio se situava onde hoje funciona a Assembleia Legislativa. Chefe do Executivo paraibano, João Pessoa era conhecido pelo seu temperamento franco, direto. Enquanto assinava o documento que lavraria o ato de transmissão de cargo ao seu vice, Álvaro de Carvalho, permitiu-se a um gracejo com os funcionários:“Vejo que os senhores ficam sempre muito alegres toda vez que me ausento da Paraíba”
Quem não achou nada engraçado foi o secretário de Segurança, Ademar Vidal: “Então, o presidente vai ao Recife? Acho uma temeridade...”. Como bem observou o seu amigo e auxiliar próximo, o escritor José Américo de Almeida, João Pessoa “era todo direto e sem nenhuma sutileza”. Ao ouvir a ponderação do seu secretário sobre a viagem que faria sem o acompanhamento de qualquer segurança: “Os senhores são muito sentimentais. Vamos deixar de tolice...”.
Como os fatos vieram a comprovar, não se tratava de tolice nenhuma. No dia seguinte, sábado, João Pessoa seria assassinado a tiros na capital pernambucana. O crime completará 80 anos amanhã. A morte do presidente paraibano impulsou os revolucionários, que já arquitetavam a tomada de poder. Eles depuseram Washington Luiz, dando posse a Getúlio Vargas, candidato derrotado nas eleições presidenciais daquele ano.
A reportagem do JORNAL DA PARAÍBA entrevistou dois estudiosos no assunto, os historiadores José Octávio de Arruda Melo e Wellington Aguiar, ambos autores de obras que versam sobre o tema da Revolução de 1930. Além de serem consultados títulos, publicações e obras, apresentamos a repercussão do assassinato no exterior, reproduzindo o que o jornal The New York Times, dos Estados Unidos, noticiou no dia seguinte à morte de João Pessoa.
Trata-se, sem dúvidas, de um período histórico riquíssimo cujos desdobramentos ainda mantêm ligação direta não só com os principais fatos políticos que dali ocorreram, circunscritos a um passado remoto. Muitos atores da cena política atual da Paraíba têm ligação direta com o teatro de 1930. Mais do que isso: ainda hoje há pontos desta história que não são pacíficos e os dois lados ainda terçam armas – não disputando poder político; migraram a luta para uma trilheira intelectual, levando o embate à arena da história.
Desde que assumira o governo, João Pessoa já entrara em rota de colisão com os chefes políticos, ligados à oligarquia paraibana. Em 1929, o governo do presidente Washington Luiz teve o apoio à chapa situacionista de sucessão presidencial, encabeçada pelo paulista Júlio Prestes, negado por parte de João Pessoa - era o famoso dia do “Nego”.
Desde então, as relações entre os governos federal e estadual azedaram. Para complicar, João Pessoa aceitou a indicação para ser vice na chapa oposicionista, encabeçada por Getúlio Vargas. “Tentou-se fazer uma frente única aqui na Paraíba, como aconteceu no Rio Grande do Sul”, explica José Octávio. “A oposição aqui era muito pequena, mas não aceitou. Eles viram no apoio federal, a situação, a possibilidade de ter um fôlego”, conta.
Desde 24 de fevereiro de 1930 que o governo de João Pessoa via-se às voltas com uma guerra civil. A cidade de Princesa declara-se “Território Independente” e não mais se submetia aos comandos da chefia do Executivo estadual.
VIAGEM AO RECIFE
O objetivo principal da ida de João Pessoa ao Recife era visitar velho amigo, o juiz federal Francisco Tavares da Cunha Melo, que estava enfermo e internado no Hospital Centenário, no bairro de Boa Vista, no Recife. Mais do que uma visita de solidariedade, havia um interesse específico do presidente. João Pessoa estava prestes a receber um carregamento de armas que viria ao porto do Recife em poucos dias. Certamente as autoridades federais iriam apreender a carga.
O navio Muniz Freire, da Marinha, percorria o litoral com o objetivo de impedir a chegada de armas e munição à Paraíba. Com vistas a driblar a fiscalização federal, o material bélico vinha por meio de contrabando em latas de conservas. Às vésperas da viagem que faria ao Recife, a última que fizera em vida, a questão que inquietava João Pessoa era a seguinte: seria possível liberar o carregamento ao se requerer um interdito? João Pessoa acreditava que sim, era possível sustar a apreensão com este recurso judicial. Queria, porém, ouvir do amigo juiz uma opinião sobre o caso. Havia, ainda, a necessidade de comprar novos clichês no Jornal da Manhã, situado na capital pernambucana, para a edição comemorativa ao aniversário de um ano do “Nego”.
JOÃO DANTAS
Olinda, três horas da tarde, 26 de julho de 1930. O advogado João Dantas saíra da casa do cunhado Augusto Caldas e tomara um bonde com destino à capital pernambucana. Iria até o Jornal do Commercio. Seu objetivo era responder à série de cartas suas que o jornal A União vinha publicando. Casualmente, João Dantas senta-se ao lado de um conterrâneo que está lendo o jornal estatal da Paraíba. Ao ver a manchete em tipos em caixa alta “REVELANDO A ALMA TORTUOSA DOS CONSPIRADORES CONTRA A ORDEM E A DIGNIDADE DE NOSSA TERRA”, João Dantas sentiu o sangue ferver. À medida em que seguia com os olhos na leitura, mais impropérios lhe eram dirigidos: “... o arquivo de cartas e telegramas desse tarado era um verdadeiro manancial de monstruosidades...”. Mais adiante: “Nos documentos da edição de ontem ficou demonstrada a irresistível tendência dos Dantas para o alheio”.
João Dantas, com os olhos marejados de ódio, ainda teve tempo de ler a notinha: “Com destino ao Recife, viaja hoje o sr. presidente João Pessoa, que na vizinha metrópole do sul vai visitar o seu amigo particular dr. Cunha Melo, juiz federal de Pernambuco e que se acha convalescente após a intervenção cirúrgica a que se submetera. A demora do chefe do governo será muito curta”.
João Dantas considerou a atitudade de João Pessoa um ultraje - ir impunemente ao Recife, desafiar-lhe a coragem. Voltou à casa do cunhado, pegou o seu colt 22 e de lá partiria com uma missão: lavar a honra ofendida. Esta versão, todavia, não é um ponto pacífico. “Essa história de bonde, de jornal, nada disso existiu. Foi criada para descartar a culpabilidade de Moreira Caldas”, opina Wellington Aguiar. “Eu não acho correta a versão do bonde – ele ter descido e retornado à casa do cunhado? Não, não; João Dantas andava armado”, comenta José Octávio de Arruda Melo. Uma outra versão dá conta de que Augusto Caldas, cunhado de João Dantas, teria visto João Pessoa e ligara para casa com o fim de avisar ao advogado.
Fonte: Jornal da Paraíba
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