Rio - Poderia ser mais um passeio sentimental
pelas esquinas da minha infância, a Praia do Flamengo, o Aterro, os
jardins do Palácio do Catete. Mas uma movimentação incomum nas cercanias
do velho Hotel Novo Mundo me levou ao Vale do Piancó, nos confins da
Paraíba. Foi lá que conheci ano passado, ao fazer uma reportagem sobre a
seca no Nordeste, o padre Djacy Brasileiro. Um andarilho que leva o
Brasil no sobrenome e o Evangelho ao pé da letra: só entende o
sacerdócio se ele for exercido ao lado dos que mais precisam.
Padre Djacy, o senhor ficaria feliz
de ver o que eu vi. Carros e vans do interior fluminense lotavam a Praia
do Flamengo e a Rua Silveira Martins, um entra-e-sai de malas,
motoristas com listas de passageiros nas mãos. Miguel Pereira, Silva
Jardim, Três Rios, Miracema, Rio das Ostras. As pessoas apressadas.
Muita gente falando espanhol. Padre, acredite, eram médicos cubanos.
Sim, aqueles mesmos que o senhor um dia chamou
de anjos “porque vêm ao encontro dos pobres”. O saguão do Hotel Novo
Mundo é um cenário de despedidas e ansiedades nesta tarde nublada e
abafada de outono. São 165 médicos cubanos que fecham um ciclo de
adaptação e agora partem para seus destinos. Com estes, são 457
profissionais que chegam ao estado dentro do Programa Mais Médicos.
Alguns ficam pela capital, mas outros, como o senhor sempre defendeu,
vão para o interior, onde estão as pessoas mais esquecidas.
Já na van que o vai levar para Barra Mansa, o
casal de médicos Yoanny Delgado e Yulisa Martinez fica acabrunhado em
dar entrevista. Ainda estão marcados pela recepção pouco amistosa de
alguns médicos brasileiros à chegada dos cubanos ao país. “Só queremos
trabalhar em conjunto, ajudar as famílias no interior a ter saúde
melhor. Só isso”, diz Yulisa. Os dois pretendem ficar os três anos de
contrato, e voltar para Cuba para ter o primeiro filho.
O acabrunhamento é compreensível. Lembro quando
o senhor postou no Facebook, em 28 de agosto do ano passado, um
desagravo ao médico cubano Juan Delgado, que foi hostilizado por colegas
brasileiros ao desembarcar em Fortaleza, dias antes, para se dispor a
trabalhar em lugares refutados pelos profissionais pátrios. O senhor
pediu ao Juan desculpas por todos nós: “Se alguém encontrar esse médico
por aí, por gentileza lhe dê um abraço, peça desculpas, agradeça sua
boa-vontade e avise que não somos todos assim.”
Ainda bem que não. Não esqueci suas palavras
pedindo médicos para cidades que estão no mapa, mas parecem não estar no
mundo, como as pernambucanas Vicência, Muropé e Afogados da Ingazeira,
ou as do seu Vale do Piancó, como Curral Velho e Pedra Branca.
O senhor precisava ver a simpatia de Madeleinys
Monterrey, uma especialista em Medicina Integral, ao embarcar na van
para Maricá. Ela é essa aí da foto, que eu mesmo fiz, bem em frente ao
Aterro onde arranhei joelhos e cotovelos jogando bola nos campos de
terra que agora são de grama sintética. Parecia uma velha amiga ao
contar que é de Pinar del Río, famosa por suas plantações de tabaco e
por produzir os melhores charutos do mundo. “Minha esperança é ser
bem-recebida e fazer o que sei fazer, que é cuidar das pessoas”, ela
diz. Madeleinys é solteira, quer ficar três anos no Brasil e, se
arranjar namorado, pretende convencê-lo a ir para Cuba. Será um sujeito
de sorte.
Cada um tem seus sonhos. O senhor, padre, que
tem como armas as palavras e as solas dos sapatos, acalanta os seus. Ver
a gente pobre mais bem tratada, com água o ano inteiro, com médico para
quando precisar. Andando pelas pedras da Praia do Flamengo, onde já
cultivei tantos sonhos e vi outros tantos se perderem, fico imaginando
se, no fundo, esses anseios acabem se unindo de alguma forma. Seja em
Cuba, em Maricá ou no Vale do Piancó. Talvez.
Yulisa e o marido Yoanny já parecem mais
dispostos na despedida. Perguntam se Barra Mansa é violenta, se fica
perto do mar. Com seu sorriso aberto, Madeleinys arrisca algumas
palavras em português antes de partir. Digo a ela algo que o senhor
gostaria de dizer: “Temos que te agradecer por ter saído de sua terra e
ficar longe de lá por três anos para melhorar a vida da gente”. Ela se
emocionou, eu também. Se ela vai ficar os três anos, se vai aguentar a
saudade, isso eu não sei. Mas a alegria dela contagiou esse pedaço da
Praia do Flamengo, padre. Que chegue ao Vale do Piancó. Boa Páscoa para o
senhor.
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