Estava na
pauta da Comissão de Justiça do Senado um projeto de emenda
constitucional sobre a prerrogativa de foro concedida a detentores de
mandatos e a autoridades. Sugeria o fim do privilégio. Autor da
proposta, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB) desistiu de levá-la
adiante. “Com
toda a repercussão que o julgamento do mensalão vem tendo, creio que é
melhor suspender a tramitação da matéria nesse instante”, diz o senador.
“Entendo que é conveniente fazer uma reflexão mais serena sobre esse
tema, evitando um desnecessário barulho de opinião pública.”
O
barulho, de fato, tornou-se incontornável. Antes das condenações do
mensalão, a emenda de Cunha Lima tinha a aparência de uma homenagem ao
igualitarismo. Agora, ganha as feições de prêmio aos denunciados de
gravata. A aprovação da proposta enviaria ao juízo de primeira instância
todos os processos abertos contra os réus do poder. Além
de prazos novos, os acusados ganhariam uma avenida de recursos que, no
Brasil, costumam retardar as sentenças por prazos que chegam a duas
décadas. A platéia faria as contas (o julgamento do mensalão demorou
sete anos, mas a palavra do STF é terminativa). E as pessoas talvez
concluíssem que o ruim pode ficar pior. Daí a meia-volta de Cunha Lima.
O
projeto do senador tucano sai de cena num momento em que o presidente
da Comissão de Justiça, Eunício Oliveira (PMDB-CE), preparava-se para
indicar um relator. Pelo texto, desceriam à primeira instância do
Judiciário os processos envolvendo as infrações penais comuns cometidas
por parlamentares e autoridades. O
STF passaria a julgar apenas os pedidos de habeas corpus de autoridades
encrencadas. Uma forma de evitar eventuais abusos de magistrados. De
resto, o Supremo daria a palavra final nas ações por crime de
responsabilidade contra o presidente da República.
Correm
nos escaninhos do Senado e da Câmara outros projetos de teor análogo ao
de Cunha Lima. Resta agora saber se os autores terão peito para
arrostar o debate. Há um quê de ironia na situação. Responsável pelas
hesitações que tomam de assalto os legisladores, o ministro Joaquim
Barbosa, relator do mensalão, é um ativista da causa do fim do foro
privilegiado. Barbosa
chegou a mencionar o tema numa sessão plenária do STF. Recordou que
Bill Clinton, quando era presidente dos EUA, foi inquirido pelo Grand
Jury, um órgão de primeira instância do Judiciário americano, composto
“de pessoas do povo”. O ministro realçou: “Era o presidente dos Estados
Unidos comparecendo perante esse júri, falando sob juramento, sem
privilégio algum.”
Para
Barbosa, a imagem “do homem mais poderoso do planeta submetendo-se às
mesmas leis que punem o cidadão comum” confere ao foro privilegiado
vigente no Brasil a aparência de uma medida concebida para dar
“racionalidade à impunidade”. O
raciocínio de Barbosa escora-se no fato de que os tribunais superiores,
como o STF e o STJ (responsável pelo julgamento de governadores), não
estão aparelhados para instruir processos penais. Cabe-lhes julgar
recursos, não ações ordinárias, que envolvem a audição de testemunhas e a
produção de provas.
A
combinação das debilidades das Cortes superiores com o volume de
processos que cada ministro é obrigado a julgar – cerca de 10 mil por
ano no caso do STF - acaba por empurrar as ações contra os poderosos
para a gaveta da impunidade. As
sentenças do mensalão alteraram essa percepção. Porém, está boiando na
atmosfera uma pergunta: o STF terá fôlego para dispensar aos outros
processos os mesmos rigores que impôs à ação penal do mensalão.
Aguardam na fila do Supremo mais de três dezenas de encrencas penais. Entre elas o processo que envolve o mensalão mineiro do PSDB. (com Josias de Souza)
Aguardam na fila do Supremo mais de três dezenas de encrencas penais. Entre elas o processo que envolve o mensalão mineiro do PSDB. (com Josias de Souza)
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